A Ordem Cathartiformes é constituída pela Família Cathartidae, representada pelos abutres do Novo Mundo, comumente conhecidos como urubus e condores. A distribuição geográfica é exclusiva do continente americano. São reconhecidas sete espécies atuais, cinco delas presentes no Brasil (Cathartes aura (urubu-de-cabeça-vermelha), Cathartes burrovianus (urubu-de-cabeça-amarela), Cathartes melambrotus (urubu-da-mata), Coragyps atratus (urubu-de-cabeça-preta), Sarcoramphus papa (urubu-rei)).

 

São aves saprófagas que apresentam características peculiares decorrentes das adaptações ao hábito de se alimentarem principalmente de carne em putrefação. Embora também se alimentem de sementes de palmeiras, cocos, frutas, ovos e filhotes de aves.

O mais conhecido dos urubus é o urubu-de-cabeça-preta. É o mais urbano e costuma atuar em parceria com os caracarás (Caracara plancus), dividindo carcaças e até deixando que eles retirarem parasitas de sua plumagem.

 

urubu Fonte: Humberto Lima

 

Os urubus possuem importância ecológica imprescindível como saneadores ambientais,  eliminando até 95% das carcaças e ossos dos animais mortos, evitando assim a propagação de doenças e a multiplicação de microrganismos (como o antraz) que poderiam contaminar a terra e os lençóis freáticos. Em áreas onde não existem urubus, as carcaças levam até três ou quatro vezes mais tempo para se decompor.

O urubu consegue comer carne em decomposição sem passar mal devido ao fato de seu estômago secretar um suco gástrico que neutraliza as bactérias e toxinas presentes na carne putrificada. Outro fator que contribui para a resistência dos urubus à ação dos microrganismos da carne em decomposição são os poderosos anticorpos de seu sistema imunológico. Entretanto, eles podem ser afetados por substâncias absorvidas pelo cadáver durante a vida (bioacumulação e/ou biomagnificação). Dentre essas substâncias, se destacam produtos de uso veterinário, o chumbo oriundo de armas de fogo ou substâncias utilizadas na agropecuária para intoxicação proposital. Um declínio significativo de abutres do Novo Mundo do gênero Gyps foi registrado recentemente pela ingestão de carcaças de animais tratados com diclofenaco.

 

Dentre as características anatômicas adaptativas, possuem a cabeça e o pescoço desprovidos de penas (evitam o acúmulo de matéria orgânica em decomposição); colar espesso de penas na região caudal do pescoço, evitando a passagem de líquidos provenientes da dieta para outras partes do corpo, assim como bicos e pés fortes utilizados para dilaceração das carcaças. Possui os pés chatos, deixando o andar peculiar (dando pulinhos), por isso não caminha como outras aves e não possuem habilidade para caçar (os pés não conseguem agarrar as presas, como fazem os gaviões). A visão é a ferramenta mais importante para o forrageamento. Um urubu é capaz de ver um animal morto a 3000 m de altura e de sentir o cheiro de carniça a 50 km de distância.  Além das adaptações morfológicas para alimentação, apresentam outras características interessantes, como a ausência de siringe, órgão responsável pela vocalização das aves. Embora sejam capazes de bufar fortemente (forçando o ar nos sacos aéreos). Apresentam também ausência de separação interna das narinas (ajuda na termorregulação) e de um hálux funcional (dedão do pé). Essas duas características distinguem os Cathartidae dos abutres do Velho Mundo. O urubu não tem glândulas sudoríparas para transpirar e dissipar o calor. Ele transpira através de suas narinas vazadas (bico perfurado) e fica com o bico aberto para eliminar o calor, além dos diversos mecanismos comportamentais e fisiológicos para a regulação da temperatura corporal, sendo eles, abertura das asas, distensão ou retração do pescoço e excreção de urina e fezes sobre as pernas, comportamento denominado urohidrosis. A pele nua da cabeça é caracterizada pela presença de grandes veias superficiais que auxiliam na termorregulação corporal. 

 

O ciclo de existência do urubu varia de 10 a 30 anos, de acordo com a espécie e as condições do ambiente no qual vive.

Os predadores naturais dos urubus são as jiboias e as sucuris. Em situações de perigo e em presença de predadores, os urubus vomitam boa parte do alimento que consumiram para alçar voo com rapidez.

 

O tamanho corporal varia entre 56 e 68 cm, o peso médio entre 1100 e 1950 g, com uma envergadura de até 150 cm. A plumagem é predominantemente negra, exceto pela base de algumas rêmiges primárias que apresentam coloração esbranquiçada. As partes nuas da cabeça e pescoço são pretas, com variações de tom entre eles, apresentam também inúmeras dobras de pele.

Pouco se sabe sobre os comportamentos reprodutivos das espécies deste grupo. A espécie é monomórfica, não apresentando dimorfismo sexual e geralmente não constroem nenhuma estrutura para suas posturas, no entanto utilizam ocos de árvores mortas e troncos caídos; também podem botar seus ovos sobre rochas, paredões rochosos ou em edifícios de centros urbanos. Fazem postura de dois ovos, cujo período de incubação é de 30 a 45 dias, podendo se estender à 55 dias. Os ovos são de cor cinza ou verde-pálida, com larga mancha marrom e listas negras num dos pólos e mancha marrom em forma de lágrima, no outro. A procriação ocorre uma vez por ano e os filhotes são capazes de se alimentar sozinhos, entre 10 a 12 semanas, quando ocorre o primeiro voô. São aves gregárias que formam grandes grupos aparentados, beneficiando os indivíduos quanto à facilitação de forrageamento, na proteção contra predadores, na troca de informações e na interação social.

 

O allopreening é um comportamento social onde membros de determinado grupo efetuam a limpeza em outro indivíduo da mesma espécie ou de espécie diferente. Allopreening entre C. atratus e Caracara plancus é muito comum em toda a área de distribuição dessas espécies. Interações simbióticas de limpeza também foram registradas em situações em que C. atratus se alimentavam de ectoparasitas, detritos orgânicos e tecidos mortos do corpo de capivaras. C. atratus é extremamente adaptada às atividades humanas, sendo beneficiada por elas, principalmente quanto à oferta de alimentos, devido à destinação final de resíduos realizada de forma incorreta. Devido ao amplo crescimento urbano, a presença dessas aves é cada vez maior nas cidades, sendo menos observada em áreas florestadas. Tal situação de desequilíbrio ecológico pode resultar em diversos problemas, como por exemplo, o risco de colisão entre aeronaves e urubus-de-cabeça-preta na decolagem e no pouso.

 

O risco potencial de colisão entre aeronaves e animais silvestres é denominado Risco da Fauna e tem gerado preocupações crescentes em diversos setores da aviação mundial. Com o aumento no volume do tráfego aéreo e com os avanços tecnológicos, as aeronaves ficaram mais rápidas e silenciosas, dificultando a percepção de aproximação, tanto dos pilotos quanto dos animais. Deste modo, as colisões se tornam mais frequentes e sérias. O primeiro registro de colisão é de setembro de 1905 em Ohio, porém o primeiro acidente fatal aconteceu em 03 de abril de 1912, em que o piloto americano Calbraith Perry Rogers fazia um voo sobre Long Beach, Califórnia, quando uma gaivota colidiu com a aeronave que caiu no mar, provocando a morte do piloto. A Federal Aviation Administration (FAA), após um grave acidente em 1960 nos EUA(62 passageiros foram à óbito), iniciou pesquisas para melhoria das aeronaves quanto a resistência em colisões com animais, simultaneamente com o início de estudos relacionando a vida selvagem e a aviação. Na Aviação Civil entre 1912 a 2008, o número de acidentes fatais documentados, ocasionados por colisão com aves é de 55, com 276 pessoas mortas e um total de 108 aeronaves destruídas. Quanto a acidentes envolvendo aeronaves militares, um levantamento de dados foi realizado entre 1950 e 1999 em 32 países e apontam um número aproximado de 360 acidentes graves, com cerca de 199 mortes. As colisões mais frequentes ocorrem durante as fases de pouso e decolagem, quando as aeronaves se encontram em uma altitude abaixo de 500 pés. As espécies mais envolvidas nos acidentes reportados foram Quero-quero (Vanellus chilensis), Carcará (Caracara plancus) e Urubu-de-cabeça-preta (Coragyps atratus), respectivamente, e são animais considerados nocivos para aviação brasileira. Entre 1996 e 2014 foram reportadas 12.919 colisões. Anualmente os acidentes aeronáuticos causados por esses animais causam prejuízos milionários às empresas aéreas.

 

A Lei nº 12.725, de 16 de outubro de 2012 (BRASIL, 2012), dispõe sobre o controle da fauna nas imediações de aeródromos e estabelece regras que visam a diminuição do risco de acidentes e incidentes aeronáuticos decorrentes da colisão de aeronaves com espécimes da fauna nas imediações de aeródromos. Essa Lei define a Área de Segurança Aeroportuária – ASA, que se entende como área circular do território de um ou mais municípios, definida a partir do centro geométrico da maior pista do aeródromo ou do aeródromo militar, com 20 km de raio, cujo uso e ocupação estão sujeitos a restrições especiais em função da natureza atrativa de fauna. As atividades comerciais do aeroporto como restaurantes, lanchonetes e catering, podem contribuir para o aumento da população de animais nos aeroportos, caso haja erro na destinação final dos resíduos.

Não existem doenças transmitidas de urubus para humanos.

 

Por Luana de Aguiar Paes

 

REFERÊNCIAS

  1. https://ambientes.ambientebrasil.com.br/fauna/aves/urubu-de-cabeca-preta_coragyps_atratus.html em 01/08/2022.
  2. https://www.ufrgs.br/faunadigitalrs/urubu-preto-coragyps-atratus/ em 01/08/2022.
  3. https://www.greenme.com.br/informarse/animais/68461-urubu-caracteristicas-curiosidades-e-sua-importancia-na-natureza/#:~:text=Os%20urubus%20localizam%20os%20cad%C3%A1veres,comida%20e%20com%20frequ%C3%AAncia%20s%C3%A3o em 01/08/2022.
  4. Leal, B. F. C. Estudo da população de Coragyps atratus (Bechstein, 1793) (Cathartiformes, Cathartidae) do Parque Estadual das Fontes do Ipiranga. 58 p. Dissertação (Mestrado) - UFSCar, 2016.